Primeiramente, é importante tratar um pouco sobre a legislação protetiva da população idosa, no que diz respeito ao direito à saúde. Façamos uma breve análise histórico da pirâmide etária brasileira. Na década de 60, nós tínhamos um percentual de 4,7% da população brasileira que possuía mais de 60 anos. Em 2010, esse percentual alcançou 10,8% e estima-se que, até 2025, nós tenhamos no Brasil mais de 32 milhões de pessoas acima dos 60 anos.
E o que isso significa?
Significa que a população do Brasil, país que é jovem historicamente, está envelhecendo. E isso não é uma coisa ruim, muito pelo contrário. Isso é resultado de uma série de melhorias sociais, de saneamento básico, de políticas públicas de saúde, do desenvolvimento da tecnologia. Então, apesar de ainda estarmos longe de onde gostaríamos, é algo para ser reconhecido e celebrado.
No entanto, com esse aumento populacional do número de idosos, o Estado passou a ter que dedicar uma maior atenção às necessidades do idoso. E de que forma o Estado deve contemplar os direitos do idoso? É o que nós vamos ver a partir de agora.
Não dá para falarmos do ordenamento jurídico brasileiro sem começar por sua carta magna, a Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 6º, quando trata dos direitos sociais, traz a previsão do direito à saúde. Em complemento, temos o art. 196 que diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
Nesse aspecto constitucional, vemos aí que o direito à saúde tem uma perspectiva prestacional do Estado de promover o acesso à saúde aos cidadãos, por meio dos serviços de saúde propriamente ditos, atendimentos ambulatoriais, emergência, leitos de internação de uti, acesso a medicamentos etc. Além disso, é importante que nós pensemos também na necessidade de se promover políticas públicas para prevenção de doenças, promoção da saúde, enfim.
Não bastasse essa previsão geral, que já é aplicável a todo e qualquer cidadão brasileiro sem nenhuma distinção, o Constituinte decidiu dar um tratamento ainda mais especial para os idosos, de modo que no art. 230, também da Constituição Federal, é dito que é dever da família, da sociedade e do Estado amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, sua dignidade, bem-estar, etc..
Diante disso, nós vemos que o direito à saúde adquire um papel muito importante para a população idosa, sobretudo por ela talvez constituir o maior grupo de usuários do sistema de saúde.
É importante salientar que hoje, quando nós falamos de saúde, não estamos mais falando da ausência de doença. A saúde não é mais vista como um aspecto meramente biológico e físico. Pelo simples fato de você não estar doente, você não se afirma saudável, né?
A Organização Mundial de Saúde define a saúde como o bem-estar físico, mental e social. Reparem aí esses dois últimos fatores, porque eles são importantíssimos para pensarmos criticamente o acesso à saúde da população idosa brasileira.
Pela acepção contemporânea de saúde, o direito à saúde não é contemplado pela mera disponibilização do serviço de saúde, do leito de UTI, dos remédios. É mais do que isso. É preciso que o Estado fomente políticas públicas que contemplem o direito ao lazer, ao trabalho, à convivência familiar e social, à alimentação adequada, à cultura, ao esporte, ao cultivo da sua fé, independente de qual ela seja, enfim, de uma vida digna.
E, com essa ideia, nós chegamos no marco legislativo específico da proteção à população idosa, que é o Estatuto do Idoso, do ano de 2003, por meio do qual restaram determinados diversos direitos específicos para a população idosa, com vistas a consagrar a dignidade da pessoa humana, que nós sabemos que é o fundamento-base da Constituição de 1988.
Então, no Estatuto, existem previsões de diversas garantias, mas, como o meu tempo aqui hoje com vocês é limitado, eu trago o art. 8º, que diz que:
“Art. 8º O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente.”
“Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.”
Vejam que o Estatuto está em perfeita sintonia com a Constituição Federal e complementa a proteção ao idoso.
Chegamos então a um direito ao envelhecimento saudável. Envelhecer, que ainda é um tabu na sociedade, ganha, depois dessa legislação, um traço distintivo interessante no ordenamento brasileiro. E o Estatuto do Idoso ainda destina todo um capítulo, especificamente, para o direito à saúde, a partir do art. 15, que vai falar sobre acesso a leitos, vedação à discriminação em razão da idade, sobre o acompanhamento dos idosos, a violência contra o idoso.
Enfim, uma série de dispositivos voltados à proteção à saúde do idoso, com um viés mais prático-procedimental.
Diante de todo esse panorama apresentado, nós sabemos que a realidade fática da população idosa infelizmente não é essa. E, com o advento da pandemia da Covid 19, isso ficou ainda mais evidente.
Como eu falei no início, a população idosa brasileira atual é bastante numerosa e já não havia um sistema de saúde que, nas condições típicas, normais, comuns, atendesse às demandas da população.
Então, desde sempre, a gente está acostumado a ver notícias de pessoas que morrem em filas de hospitais sem ter acesso ao serviço de saúde, de idosos abandonados pelas famílias, de pessoas que não possuem condições financeiras de realizar tratamentos de alto custo, das dificuldades de o idoso permanecer inserido no mercado de trabalho.
E a pandemia acentuou ainda mais essas marcas sociais que o Brasil possui. Nós estamos sendo acometidos por uma doença que tem como o maior grupo de risco a população idosa e forçou que a sociedade brasileira revisse alguns valores sociais de respeito ao próximo, do senso de coletividade. Então, para além da iniciativa do poder público, a sociedade precisa tomar para si também a responsabilidade para com a saúde do idoso.