ALEGAÇÕES DE ERRO MÉDICO EM PROCEDIMENTOS ESTÉTICOS EMBELEZADORES

De acordo com os dados de uma pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), divulgada em dezembro de 2019, o Brasil é o líder mundial na realização de cirurgias plásticas, ultrapassando até mesmo os Estados Unidos.

 

O primeiro lugar nesse ranking demonstra o quanto os brasileiros têm desejado alcançar o tão sonhado “padrão de beleza”, buscando meios que os façam se encaixar nos moldes ditados como “belos” pela sociedade, a fim de se obter a satisfação psíquica e a aceitação social.

 

A realização de cirurgias plásticas estéticas embelezadoras tem sido a opção de muitas pessoas que desejam se encaixar nesses padrões, e com a grande demanda, temos nos deparado com o surgimento de muitos casos nos quais o sonho pelo corpo perfeito, se transforma em um verdadeiro pesadelo para os pacientes e seus familiares.

 

Recentemente acompanhamos nos noticiários a lamentável morte da influenciadora digital Liliane Amorim (26), em decorrência de perfuração de seu intestino durante a realização de uma cirurgia plástica de lipoaspiração feita pelo médico Benjamim Alencar, em Juazeiro do Norte/CE.

 

Além de o fato levantar muitos questionamentos acerca da incessante busca pela “perfeição” estética, a alegação da ocorrência de possível erro médico no referido caso, levou a família de Liliane a processar o médico cirurgião em busca de uma indenização pela sua morte, o que trouxe também muitas especulações acerca de como se configuraria um erro médico em casos similares.

 

Inicialmente cabe salientar que a cirurgia plástica possui duas subespécies, podendo ser estética, ou reparadora. No primeiro caso não existe a doença do paciente, ele busca apenas melhorar a sua aparência por uma insatisfação com suas características físicas naturais, de forma a transformar parte do corpo que é considerado saudável. Já na realização de cirurgia plástica reparadora, o que se pretende é reparar um defeito, uma deformidade, cicatrizes que possam afetar a função natural do corpo, ou causar-lhe limitações, como por exemplo, a colocação de prótese mamária em mulheres portadoras de câncer de mama que passaram pelo procedimento da mastectomia (remoção de uma ou ambas as mamas).

 

Diversamente do tratamento cirúrgico de cunho reparador, no qual a responsabilidade assumida pelo médico cirurgião é denominada de “responsabilidade de meio”, – já que não garante que a cirurgia atingirá determinado patamar de beleza, mas apenas um melhoramento -, nas cirurgias plásticas estéticas e embelezadoras, o profissional se compromete a atingir um resultado específico, logo, a responsabilidade nesses casos é considerada “responsabilidade de fim”, pois o paciente espera alcançar o resultado escolhido e prometido pelo médico.

 

Feita essa distinção, para entendermos melhor o que se leva a constatação de erro médico em cirurgias plásticas estéticas e suas consequências jurídicas, é preciso entender alguns aspectos referentes à responsabilidade civil dos médicos cirurgiões plásticos.

 

Partindo do pressuposto que, em regra, a realização de um procedimento cirúrgico pressupõe a concretização de um contrato formal entre o paciente e o médico cirurgião, podemos afirmar que há por parte do profissional uma responsabilidade civil contratual (Art. 951 CC/2002).

 

No que tange à responsabilidade civil, esta pode ser considerada subjetiva, quando demanda para a sua configuração a presença da culpa, que ao seu turno se subdivide em latu sensu (englobando o dolo, ou seja, a intenção de lesionar), e strictu senso (compreendida como imprudência, negligência e imperícia). Ou, pode ser considerada objetiva, quando a responsabilidade civil prescinde da presença da culpa de uma maneira ampla para a sua configuração. No Código Civil brasileiro, a responsabilidade subjetiva encontra-se estabelecida no art. 186.

 

O erro médico pode ser definido como uma ação ou omissão do profissional que exercendo sua atividade cause uma lesão à saúde e à vida do paciente, e uma vez comprovado o nexo causal entre o erro médico e o resultado para o doente, lhe será imputado o erro e suas consequências. Nesse sentido, para que se tenha caracterizada a responsabilidade civil do profissional, é necessária a preexistência de uma ação ou omissão deste agente responsável.

 

No caso da realização de procedimentos cirúrgicos que não precedem à promessa de um resultado especifico como ocorre nos casos das cirurgias estéticas embelezadoras, o ônus de provar se houve ou não o erro do médico será exclusivamente do paciente. Em contrapartida, quando há o comprometimento em atingir um resultado específico, caberá ao profissional o ônus de provar não ser ele o responsável pelo erro cometido.

 

Assim é que, diferentemente dos demais profissionais de saúde, que, em regra, serão responsabilizados apenas quando há a demonstração pelo paciente de terem agido com dolo ou culpa, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que a obrigação médica do cirurgião plástico ao realizar procedimentos meramente estéticos, é de resultado, o que significa dizer que caso o fim almejado não seja alcançado, o profissional da saúde será responsabilizado levando-se em consideração a sua culpa presumida, cabendo ao profissional eximir-se da responsabilidade demonstrando de forma cabal ter atendido a todos os requisitos necessários à obtenção do resultado prometido.

 

Nesse viés, temos que a relação estabelecida entre o médico e o paciente apresenta natureza de cunho contratual, sendo de responsabilidade subjetiva, mas com a culpa do profissional presumida, levando em consideração as disposições do Código de Defesa do Consumidor, ao consignar que aquele que exerce a atividade médica, se enquadra no rol dos profissionais liberais, cabendo-lhe formular a devida prova para afastar a sua responsabilidade.

 

Pode-se afirmar assim, que a jurisprudência dominante entende que nesses casos há a presunção de culpa do profissional, ensejando a inversão do ônus da prova, sendo possível ao profissional elidi-la de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente apenas quando seja demonstrada a ocorrência de uma excludente de responsabilidade, comprovando que os danos suportados pelo paciente advieram de fatores externos e alheios a sua atuação profissional, ou até mesmo por culpa exclusiva do próprio paciente.

 

Havendo descumprimento do contrato firmado, ou seja, não alcançando o resultado garantido ao paciente, o profissional será presumidamente responsável pela reparação do dano, que pode ser de cunho moral, traduzido por um constrangimento, uma dor aos sentimentos do ser humano, e estético, como uma lesão à aparência física da pessoa, que lhe causa repulsa e vexame, sendo, portanto, passível de reparação (Art. 949 e 950 do Código Civil/2002). Obviamente, em casos ainda mais graves, quando o erro médico ocasiona na morte do paciente, a legislação pátria também garante o direito à justa indenização (Art. 948 Código Civil/2002).

 

Em todo o caso, há o dever de reparar, em conformidade com a legislação vigente (Art. 927 do Código Civil 2002). Vale, inclusive, ressaltar que o dano moral e o dano estético, compreendidos pelo Superior Tribunal de Justiça como institutos diversos, podem ser cumulados à oportunidade de eventual condenação, conforme Súmula 387 do STJ.

 

Fazendo uma breve síntese, podemos concluir que ao realizar cirurgias plásticas reparadoras, o profissional de saúde possui obrigação de meio e só será responsabilizado por eventuais danos alegados pelo paciente, caso este consiga demonstrar a ausência total da conduta exigida ou a ocorrência de uma conduta imprudente do médico na condução do procedimento e posterior acompanhamento. Entretanto, quando o profissional realiza cirurgias plásticas de cunho estético, o faz como uma obrigação de resultado, e apenas se isentará de eventual responsabilidade de indenizar pelo erro médico proveniente, se for capaz de demonstrar amplamente não ter agido com culpa.

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